Taoismo
Nesses tempos de efervescência política, é interessante ter ao menos uma pálida ideia de como os antigos chineses pensavam isso e nada melhor do que falar sobre sua filosofia mais antiga: o Taoismo.
A relação entre governantes e governados na China sempre se fez de maneira peculiar se comparada ao Ocidente. A maioria do que é dito sobre a China por aí não tem qualquer veracidade, como a ideia de uma “China feudal”, sistema que não existe há milhares de anos no Império do Centro. A China aboliu a aristocracia sanguínea no início da Dinastia Zhou (1027 –221 a.C.) e estabeleceu a propriedade privada da terra no início da Dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.), que acrescidos aos Exames Imperiais que escolhiam os funcionários públicos, colocam aquela civilização em uma posição invejável, mesmo se comparado a muitos países atuais.
Quando se fala em Taoismo e política, muitas pessoas que conhecem sua longa tradição de liberdade logo pensam que o Taoismo é anarquista, ou seja, exclui a possibilidade de um governo central e onde cada grupo se organiza por si mesmo. Realmente, cada comunidade taoista geria sua própria vida, sem recorrer e nem ser importunado pelo governo imperial. Mas isso é uma característica própria do sistema político chinês. Lin Yutang (1895-1976) afirmou que a China possuía uma “democracia de fato”, mesmo sem eleições nem representantes eleitos. O povo se autogovernava e resolvia a maior parte dos problemas e questões por sua própria conta. Para um chinês, ir a um tribunal era vergonhoso e as pendências e disputas eram resolvidas diretamente entre eles. Nem polícia existia na China antiga, pois a força não era monopólio do Estado desde a Dinastia Qin (221-206 a.C.).
Dentro dessa sociedade peculiar, o Taoismo demonstrou ter lançado sólidas raízes. Laozi relata no Tao Te Ching várias passagens sobre a arte de governar, que podem ser entendidas como autogoverno e também como um bom governo dos demais. Existem autores, inclusive, que consideram essa obra como sendo um tratado de política e não de filosofia.
Governar um grande reino é como cozinhar um pequeno peixe
Capítulo 60
Ao cozinhar um pequeno peixe não podemos ficar virando-o a todo o momento e mexendo muito nele, ou desmanchará. Devemos deixá-lo cozinhar tranquilamente, sem intromissão excessiva. Governar bem um grande reino, portanto, é se intrometer o menos possível na vida do povo e deixá-lo fluir. O capítulo 57 é mais enfático:
Muitas restrições e omissões no mundo
Tornam completamente pobre o povo
Muitos instrumentos afiados entre o povo
Fazem crescer a confusão no reino e na família
Muito conhecimento engenhoso entre o povo
Faz crescer o surgimento de objetos estranhos
Leis e coisas crescendo visivelmente
Fazem surgir muitos ladrões e salteadores
Por isso o Homem Sagrado dizia:
Eu não agindo, o povo se transforma
Eu sem atividade, o povo se enriquece
Eu bem tranqüilo, o povo se retifica
Eu sem desejos, o povo se simplifica
Veja que em nenhum momento ao longo de sua obra Laozi afirma que o melhor é não ter um governo. Pelo contrário, um povo sem governo se perde facilmente:
Na ausência de governo
O governo passa a agir como estranho
A bondade passa a agir como maldade
A ilusão do homem tem seu dia consolidado longamente
Capítulo 58
Dessa forma os taoistas estão mais próximos, politicamente, do liberalismo do que do anarquismo. A menor intervenção estatal e a maior liberdade de cada indivíduo ou grupo em gerir sua vida são valores muito apreciados pelos chineses. E a qualidade mais desejável ao governante, como pudemos percebemos, é a não-ação (wuwei).
Ame o povo e governe o reino através do não-conhecimento.
Capítulo 10
Por fim, uma ultima olhada nesta obra magistral, que bem poderia ser usada para uma reflexão em nossos dias:
A fome do homem
É devida a seu superior alimentar-se de impostos em demasia
Por isso existe a fome
Capítulo 75
Muito mais se poderia falar a respeito de política na antiguidade chinesa incluindo o Confucionismo e a “Escola Legalista”, que lançou as bases da filosofia política na China e teve como principal pensador Han Fei (233 a.C.). Como nosso tema é Taoismo, é importante notar que todas as qualidades filosóficas do Taoismo que se utilizam para um indivíduo podem ser utilizadas para um melhor governo do povo.
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Gilberto Antônio Silva é Parapsicólogo, Terapeuta e Jornalista. Como Taoista, atua amplamente na pesquisa e divulgação desta fantástica cultura chinesa através de cursos, palestras e artigos. É autor de 14 livros, a maioria sobre cultura oriental e Taoismo. Sites: www.taoismo.org e www.laoshan.com.br
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